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        PILAR DO RIO




JAN 30, 2024

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Por entre caixas com dezenas de missangas, no seu atelier no centro de Lisboa, Pilar do Rio leva a sua marca epónima a lugares que nunca imaginou. Natural de Lagos, formou-se em Design de Moda e durante a pandemia voltou a explorar o seu hobby de infância de fazer bijutaria à mão com missangas e pérolas. Os designs de Pilar do Rio evocam nostalgia de uma infância à beira mar e de noites quentes de verão passadas a dançar.






1. Com educação em Design de Moda, como surgiu o teu interesse em fazer acessórios?

Diria que o meu interesse em fazer acessórios surgiu muito naturalmente. Desde pequena que sempre fiz colares e pulseiras para mim própria. Lembro-me de ter imensas missangas e peças desse género em casa, quando era pequena. No fundo, foi natural para mim, na altura do Covid quando estava fechada em casa, pegar nestes materiais que tinha à minha disposição e experimentar fazer coisas com eles. Começou como um passatempo e aos poucos comecei a receber feedback positivo das pessoas que me seguiam nas redes sociais.

Nunca foi minha intenção ter a minha própria marca. A minha experiência profissional na indústria fez-me perceber que o mercado está super saturado e acreditava que se o fizesse ia acabar por ser “só mais uma marca”. Sempre preferi a possibilidade de contribuir criativamente para um projeto estável e não ter que me preocupar com a parte logística e financeira, que é necessária quando se tem uma marca própria.




Por esse motivo digo que este projeto me surgiu naturalmente, através de um interesse meu e de uma procura do público. No fundo, os acessórios são uma coisa que é mais fácil de produzir e de vender. Por um lado, eu sou bastante impaciente, e o processo de fazer bijutaria tem resultados muito mais imediatos do que, por exemplo, roupa. Por outro lado, o mercado em Portugal é bastante limitativo. Em geral, as pessoas não têm muito poder de compra, nem educação e nem o hábito de investir em peças de designers, por isso bijutaria acaba por ser mais acessível para o público nacional.


2. Vês-te a explorar para além dos acessórios e eventualmente incorporar peças têxteis no teu projeto?

Neste momento não tenho planos concretos para o fazer, mas estou sempre aberta a essa possibilidade. Gosto de manter uma mente aberta na forma como trabalho e de aceitar novos desafios, acho que é uma forma mais interessante de trabalhar. Portanto, se essa possibilidade surgir num projeto que faça sentido para mim, estou disposta a fazê-lo.

Na minha opinião, os dois, bijutaria e roupa, estão interligados e acho que podem ser muito inspirados um pelo outro. Gostava de experimentar outra vez fazer peças de roupa com os materiais e métodos que uso para os acessórios. Por exemplo, na coleção que apresentei para o Sangue Novo/ Moda Lisboa em 2020, fiz um top e um cinto em missangas, pelos quais tenho muito carinho. Adoro esse desafio de fazer uma peça extravagante e torna-la usável para o dia-a-dia. No entanto, o que me tem impedido, é principalmente o facto de o meu trabalho requerer uma produção manual demorada. Como trabalho sozinha, é-me difícil largar a produção de acessórios para ter tempo para explorar outros caminhos.






3. Conchas e estrelas do mar fazem parte do teu imaginário criativo. De que forma é que crescer ao pé do mar possa ter influenciado a tua produção artística?

O meu trabalho é sem dúvida uma homenagem às minhas origens. Acho que sempre fui uma beach town girl. As pessoas em Lagos são super descontraídas como se vestem. Eu lembro-me de ir para a escola de biquini e chinelos e de a seguir ir para a praia. Por outro lado, há uma presença forte da vida noturna e um certo glamour. Sinto que essa dualidade faz parte da pessoa que sou. Adoro criar peças que te façam sentir como uma sereia.





4. Onde encontras inspiração para o teu processo criativo?

Penso que podemos encontrar inspiração em qualquer lado: nas pessoas, no mundo, na vida, no que se passa à nossa volta e no improvável. Este projecto começou pelo desafio de criar algo através de junções improváveis, condicionado pela falta de recursos durante a pandemia. Mas no desenrolar deste percurso encontrei também inspiração nas minhas origens, o Algarve. Sem dúvida que a natureza é uma constante referência no meu trabalho.



5. Qual dirias ser a tua parte preferida do processo?

A parte de experimentar e criar coisas novas, sem dúvida. Por mim, estava todos os dias a fazer peças e combinações novas, mas com a produção torna-se difícil. Como há algum interesse em certas peças específicas, acabo por passar muito tempo num trabalho de repetição. Ao mesmo tempo, gosto desse processo minucioso de repetição, é um trabalho muito meditativo. Exatamente por não ter habitualmente tempo para experimentar combinações novas, gosto quando surgem colaborações que me desafiam e me permitem pensar fora da caixa. Tenho tido sorte com as colaborações em que participei até agora, sinto que houve uma confiança genuína no meu trabalho e nunca me senti limitada em termos criativos.








6. Que dificuldades tens sentido em começar a tua marca própria?

Para mim, é-me difícil conciliar emocionalmente a parte criativa com a parte logística. É-me mais fácil valorizar o trabalho de outras pessoas de uma forma objetiva, contudo, quando se trata do meu trabalho por vezes fico insegura. Adorava ter alguém que me ajudasse a gerir a parte financeira, especialmente a negociar budgets para colaborações. Para além de que, num país como Portugal, em que há claramente um limite no que as pessoas estão dispostas a dar por peças de design, torna-se difícil não pensar que possa estar a exigir demais.


Além disso, começo a perceber cada vez mais o quão essencial é aumentar a minha equipa e começar a ter alguém a trabalhar comigo mais vezes. Para mim tem sido uma dificuldade convidar alguém para o meu atelier, que considero quase como um santuário. Estou tão habituada a estar sozinha, que me é estranho deixar alguém entrar dentro da minha bolha. No entanto, percebo que isso é algo que tenho de mudar.


7. Que momento no teu percurso consideras importante e no qual te sentes orgulhosa?

Ter as minhas peças na Vogue, sem dúvida. Como nunca tive perspetivas de fazer a minha própria marca, nunca imaginei o meu nome aparecer na Vogue. Foi surreal para mim, porque é um nome internacional com bastante reconhecimento e porque aconteceu numa fase ainda inicial do projeto. Por outro lado, fico emocionada em ter pessoas de tantos sítios do mundo a mostrar interesse nas minhas peças e a apreciar o meu trabalho.


8. De todas as peças que já fizeste, tens uma preferida?

Eu guardo um carinho especial às primeiras peças que fiz. Por exemplo, tenho sempre aqui na secretária um dos primeiros colares que fiz, durante a altura da pandemia, e guio-me sempre por esta peça. Este colar surgiu da combinação de missangas que tinha em casa nessa altura, que no fundo eram restos de outros colares e de peças random que tinha por aí. Foi o começo do processo de misturar peças improváveis, cores improváveis, formas improváveis, que define muito a minha estética.


9. O que te entusiasma para o futuro?

Ambiciono poder continuar a partilhar o meu trabalho com as pessoas à minha volta. Imagino um futuro com mais colaborações e com mais pessoas a usar as minhas peças. Ver artistas que admiro a usar as minhas criações deixa-me segura do caminho que estou a construir. Gosto de pensar no meu projeto como mais do que uma marca de acessórios, como uma plataforma criativa onde abraço projetos de styling, fotografia e direção criativa. Espero crescer também nesse sentido.





10. Qual o teu objeto favorito no teu estúdio?

É tão difícil escolher um objecto favorito no meu estúdio! Isto porque o meu espaço é um resultado de uma acumulação (pouco saudável) de coisas pelas quais tenho muito carinho. Mas talvez escolheria um dos meus alicates, valorizo um bom alicate!






CRÉDITOS
FOTOGRAFIA & TEXTO: MADALENA MATOS
FOTOGRAFIAS ADICIONAIS DE PILAR DO RIO